19 de jun. de 2011

Pedro Cardoso, o '' Agostinho '' e o medo de ficar pobre

Para falar com o ator Pedro Cardoso, 48 anos, não há intermediários. Ele não tem assessor de imprensa – profissional contratado pela maioria dos artistas para marcar entrevistas e tentar filtrar o que sai sobre eles em veículos de comunicação. Pedro Cardoso procura regular, ele mesmo, o que pode vir a ser publicado, editando com frases formais qualquer resposta que dê. Mas como toda pessoa sem afetações, acaba se revelando. Em entrevista ao JT, o homem que interpreta há dez anos o Agostinho Carrara, da série A Grande Família (Globo), fala de projetos, do medo de ficar pobre e da televisão brasileira que, na opinião dele, está ultrapassada.

Você não gosta de falar sobre sua vida pessoal. Mas a própria Rede Globo explora o lado pessoal da vida dos atores em quadros como ‘Arquivo Confidencial’, do Faustão. Você participaria?

Não. Acho que sabem que eu não iria. Eu trabalho com a Rede Globo quando os interesses dela e os meus coincidem. Nem a empresa tem a pretensão de se identificar completamente comigo, nem eu com ela. Trabalhamos honestamente dessa forma há 25 anos.

O que você pensa a respeito da programação e da qualidade da televisão brasileira?

O mercado de televisão é lento. A televisão brasileira é dominada pelo modelo que foi construído pelo Boni (refere-se a José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, da Globo) e pelo Daniel Filho há 20 anos. Foi um modelo vitorioso e que ainda funciona, mas é hora de fazer uma nova TV. Não é que não sirva, mas tudo tem de andar. Pensando em termos práticos, deveria haver maior produção regional, inclusive em dramaturgia, porque a centralização no Rio e São Paulo é ruim para o Brasil. A grade nacional deveria ser composta pelos programas que, nos seus estados, tivessem o mérito de ter um formato que falasse com o País. Inovação seria outro aspecto importante. O programa Comédia MTV e o CQC estão contribuindo bastante nesse sentido. Não gosto de tudo que há nesses programas, mas gosto de muito do que eles fazem.

Você fez alguns comerciais. Como é sua relação com a publicidade?

É conflituosa. Tem produto que não me importo de anunciar. Mas já me arrependi, não digo de fazer qual, porque seria uma agressão à marca. E seria antiético da minha parte. E poderia ter me arrependido se outras propostas tivessem surgido. Eu não anunciei cigarros, por exemplo, por acaso. Porque num momento delicado financeiramente, acho muito difícil que eu tivesse forças para resistir a anunciar.

Sua posição em relação a isso muda de acordo com a sua condição econômica, de estar ou não passando por dificuldades?

O que muda é que uma vida econômica mais farta compra um pouco a liberdade de dizer não.

O que você queria fazer, que ainda não fez?

Tenho muitos projetos para realizar e quero fazer todos eles junto com a Graziella Moretto, que é a minha mulher.

Tenho vontade de apresentar um programa jornalístico chamado Lá em Casa que seria sobre a administração de um lar brasileiro. Também quero escrever um seriado chamado Área de Serviço, que fala da relação entre o mundo dos ricos e o mundo dos pobres. E estou escrevendo uma novela chamada A Revolução que tem como pano de fundo a opressão que o Estado exerce sobre os cidadãos. Pretendo fazer isso nos próximos cinco anos. Mas não cheguei a falar disso para as pessoas ou para a Globo. Bem, agora eles vão saber.

Você passa muitos anos num mesmo trabalho, como é o caso da interpretação de ‘Agostinho Carrara’, que já dura uma década. Não enjoa?

Não. O fato é que o personagem evolui e se transforma permanentemente, assim como eu. Na verdade, o desafio maior é fazer com que o espectador não enjoe do personagem. Tenho a sorte do público adorar o Agostinho.

Você se considera ambicioso?

Eu ambiciono tudo o que é confortável. Tenho ambição até por certos luxos. Gosto de montar a cavalo, por exemplo. É um esporte caro e requintado.

Em termos de política, tem alguma ambição? Já pensou em se candidatar?

Jamais. Nem a presidente da República, nem a vereador, nem a síndico do meu prédio. O poder tem de ser do povo.

Certa vez você disse que, ao chegar aos 30 anos, se conformou em ganhar R$ 2 mil por mês. Como foi isso?

Até os 31 anos, eu era um ator desconhecido e também trabalhava como redator secundário de programas da TV Globo. Eu ficava imaginando que, quando fosse conhecido, chegaria a ganhar R$ 5 mil. Nessa época, já tinha uma filha. Morava num apartamento alugado de dois quartos e não tinha dinheiro para férias. Era angustiante, mas em determinado momento, eu aceitei que aquela seria a minha vida.

E porque era tão difícil?

Eu me sentia assim porque fui criado por uma família rica, na zona sul do Rio de Janeiro. E, de repente, me vi tendo de sobreviver. Eu me virei sem mesada, sem herança, sem nada.

Do que você tem medo?

Do ostracismo profissional, de perder valor de mercado, ou seja, valer menos dinheiro como artista e ganhar menos.

E se acontecesse de você cair no esquecimento?

(silêncio prolongado) Não sei te responder. O poder comercial é absolutamente momentâneo porque o que vende é a juventude. O mérito de um artista não deve ser medido por isso e sim pela sua obra. Estou me preparando, no curso do tempo, para perder o valor de mercado, mas não meu mérito.

Então por que você teria medo do ostracismo, se ele não tiraria o seu mérito?
É. Eu só vou empobrecer. Isso me incomoda. Daqui a pouco, por não ser jovem, vou valer menos. Minha esperança é de que, tendo cada vez mais reconhecimento, talvez eu nem perca valor comercial.

O que você pensa a respeito do culto à aparência que existe, sobretudo, na sua profissão?

Tem uma parte positiva, que é quando esse culto também traz uma preocupação com a saúde. O problema é quando isso alimenta determinados padrões de beleza. Isso faz com que o diferente não seja considerado bonito. E existe uma diversidade no Brasil que é belíssima. Em relação a envelhecer, já vi muitas mulheres em diferentes épocas da vida. Hoje elas têm 50 anos e nem por isso são menos bonitas.

Se você pudesse voltar no tempo, quem você seria, entre figuras que estão vivas ou já morreram?

Eu gostaria de ter jogado a final da Copa de 70 ou no time do Flamengo quando o Zico era o líder. Gostaria de ter feito um filme com Charles Chaplin, ter ouvido Cartola cantar As Rosas Não Falam.

E quem você admira como ator?

Os comediantes que fizeram a Escolinha do Professor Raimundo. Eles interpretaram tipos que compunham um espelho da alma brasileira. Só para citar alguns: o Chico Anysio, o Antônio Carlos, o Walter D’Ávila, enfim, todos. Eu adoraria ter uma vida profissional que fosse um décimo da carreira do Chico Anysio. Infelizmente, o que está na moda é adotar referências americanas e europeias, em relação ao que se assiste. Não temos que copiar. Temos nossas qualidades. O Brasil deveria querer ser ele mesmo.

FONTE : JORNAL DA TARDE (SP)
REPORTAGEM :ANA RITA MARTINS

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