Um teste para os nervos
Rede Bom Dia
Santo André - SP,
BOM DIA acompanhou a aventura urbana enfrentada por uma pessoa com deficiência para pegar um ônibus adaptado no ABCD
Evandro Enoshita
Uma queda dentro de casa mudou a vida da autônoma Antônia Sá dos Santos, 48 anos. Moradora do bairro Cerqueira Leite, em Mauá, essa ex-operadora de telemarketing sofreu fraturas nas pernas, bacia e coluna, que prejudicaram em muito a sua mobilidade.
Ela até consegue dar uns poucos passos com auxílio de muletas. Mas um passeio mais longo, para o centro da cidade, por exemplo, só é possível em sua cadeira de rodas.
Desde o acidente, Antônia começou a sentir o mundo de uma forma diferente. Percebeu o quanto as cidades, e muitas pessoas, não estão preparadas para lidar com as pessoas com deficiência.
O BOM DIA acompanhou, na tarde quente e ensolarada de sábado (16), o passeio de ônibus da autônoma de sua casa até o Centro de Mauá. O que era para ser um trajeto curto se transformou em sofrimento, humilhação e preconceito.
A começar pela saída de sua residência. A porta da casa de Antônia dá para uma estreita viela de cimento, poucos centímetros mais larga do que sua cadeira de rodas. É botar a cadeira para fora de casa e rezar para que o final da viela não esteja obstruído.
“Por aqui não tem nenhuma rampa para deficientes ou faixa de pedestres. E ainda tem pessoas que estacionam bem em frente à saída da viela. Quando reclamo, me desrespeitam. Xingam, chamam de aleijada”, lamentou.
Mas as coisas não melhoram quando ela finalmente chega à calçada. Felizmente não havia carro estacionado sobre ela. Mas o nervosismo tomou conta de Antônia. Desta vez, o motivo da apreensão era se o motorista do ônibus atenderia ao seu sinal de parada.
“Tem motoristas que não sabem lidar com os deficientes. Dizem que eu deveria estar no ponto de ônibus [o mais próximo fica a 200 metros de sua casa]. Mas as calçadas estão muito ruins, não consigo ir até lá. Eu inclusive já caí dentro de um coletivo, porque o motorista não esperou eu me acomodar”, destacou a comerciante.
ELEVADOR QUEBRADO - Após esperar por meia hora, um ônibus passou. Antônia fez o sinal. O motorista obedeceu. Mas foi a comerciante entrar no ônibus, e o elevador do veículo quebrou.
O motorista até tentou sair com o coletivo. Percorreu 100 metros e parou. “Com o elevador fora da posição, o carro não sai do lugar”, disse o motorista. Por cerca de 20 minutos, ele tentou resolver o problema. Sem sucesso.
Nesse meio tempo, um passageiro colocou a cabeça para fora do veículo e começou a reclamar da demora. Iniciou-se um bate boca entre esse passageiro e pedestres, que observavam a cena, e reprovaram a atitude.
Passaram-se outros trinta minutos. Os outros passageiros já haviam embarcado em outro ônibus, mas Antônia permanecia no interior do coletivo quando a manutenção da empresa chegou e o veículo foi consertado. Dez minutos depois, o ônibus estacionava no terminal municipal.
A autônoma desembarcou. Ainda estava com uma expressão de preocupação. Havia se passado uma hora desde o início da jornada. A comerciante, então, decidiu desabafar. “Nessas horas, sempre fico com medo, porque não foi a primeira vez que isso aconteceu comigo. Em outras vezes, vieram brigar. Chego a me sentir culpada”, afirmou.
A casa de Antônia fica a cerca de 1,5 km do terminal de ônibus da cidade. Um percurso curto, mas que foi cheio de contratempos. Imagine então situações como essa se repetindo várias vezes, em vários locais e cidades diferentes. Haja paciência.
36% dos ônibus são adaptados
Mesmo com todos os contratempos, a autônoma Antônia Sá dos Santos não desiste. “Tenho consciência de que preciso lutar pelos meus direitos. Se eu não fizer algo, nada vai mudar”.
Um Decreto Federal assinado em dezembro de 2004 determina que, até 2014, todo ônibus urbano no país terá que estar preparado para o transporte de cadeirantes.
Faltando três anos para esse prazo final, cerca de 36%, ou 473 veículos, dos pouco mais de 1,3 mil ônibus municipais e trólebus em circulação pelas cidades do ABCD, possuem adaptações para o transporte de PCDs (pessoas com deficiência). Dentre as cidades da região, Ribeirão Pires, São Caetano e São Bernardo possuem um índice de adaptação da frota maior que a média regional, de 36%.
Em São Caetano, dos 49 coletivos, 28 (57%) são veículos adaptados. Já em São Bernardo, cidade onde 37% da frota (135 de 365 coletivos) conta com elevadores, a previsão da administração municipal é de que já em 2013 todos veículos das linhas municipais estejam preparados para PCDs.
Diadema, onde apenas 41 (24%) dos 168 ônibus da cidade são adaptados, informou que o processo de concessão de linhas da ETCD (Empresa de Transporte Coletivo de Diadema) prevê que o vencedor da licitação ofereça uma frota 100% preparada para pessoas com deficiência.
Os piores números da região, no entanto, ficaram com Santo André, cidade onde apenas 81 (20%) dos 398 ônibus municipais podem transportar passageiros com cadeiras de rodas.
Para a presidente da ONG (Organização Não-Governamental) Capacidade, Alice Tebcherane Affonso, apesar na melhora da situação do transporte público nos últimos anos, ainda existem vários problemas que precisam ser resolvidos para que o transporte coletivo possa ser considerado de boa qualidade. A ONG, de Santo André, promove ações para a cidadania de PCDs.
“Ainda falta muita coisa para [o transporte público] ser considerado ideal. Muitas linhas não são atendidas, e o intervalo entre os coletivos é muito grande. Além disso, existem motoristas e cobradores que não estão preparados para o atendimento aos portadores de necessidades especiais”, destacou Alice.
Questionada a respeito dos números da cidade, a Prefeitura de Mauá não havia se manifestado até o fechamento desta edição.
fonte ; rede saci usp
Olá Ligeirinho, queria lhe dar os parabéns pelo blog incrível que você tem.São poucas as pessoas que tem coragem de colocar a 'a cara a tapa' na mídia pra dizer o que realmente acontece, e ainda levantando o assunto dos deficientes físicos que precisa ser respeitado na sociedade.
ResponderExcluirAgradeço-lhe atenção!
Abraços.